Algumas palavras sobre o papel da propaganda e seu funcionamento, na Rússia de Putin e seu esforço de guerra.
Muitas pessoas pensam que a propaganda de Putin “funciona” pelo desacreditar seus adversários, enquanto cria confiança em Putin, entre os russos e seu público no estrangeiro. É verdade que a máquina de propaganda de Putin visa desacreditar seus adversários, mas não importa realmente se os russos confiam verdadeiramente em Putin. E não confiam, como podemos ver em sua relutância em serem recrutados para o exército para esta guerra na Ucrânia, pois muitos russos com meios para o fazer deixaram a Rússia para evitar o recrutamento, e nenhum russo do estrangeiro regressou para se juntar às forças armadas russas; e no início destes dois últimos anos a maioria dos russos recusou-se a ser vacinado com a vacina Sputnik que Putin promovia. O fato é que os russos realmente parecem apoiar Putin, — até que suas vidas ou sua saúde estejam em jogo. E sua máquina de propaganda compreende bem isto.
Portanto, o que a máquina propaganda do Kremlin pretende é mostrar que “ninguém” é realmente de confiança, porque “всё не однозначно” (nem tudo é absoluto/nem tudo é tão simples), daí que os russos se justifiquem em sentar-se e não fazer nada. Simplesmente não vale a pena, sair para protestar nas ruas, quando não se pode realmente saber se a “estória” contada pela oposição é verdadeira, — mesmo tendo a certeza de que a “estória” contada pelo regime de Putin não é verdadeira. O intuito da propaganda patrocinada pelo Kremlin, então, é tornar seu público inativo, e oferecer a esse público uma justificação para a sua inatividade.
Esta situação é-nos talvez familiar no que hoje chamamos “mundo pós-verdade”. Mas deixem-me sugerir que um cristão não pode habitar uma realidade “pós-verdade”, tal como um cristão não pode ser um “agnóstico”. Um “agnóstico” (literalmente significando “não saber”), para quem quer que esteja por aí e não saiba o que isto significa, é alguém que professa que a existência de Deus ou da verdade divina ou absoluta é desconhecida ou incognoscível. Como cristãos, acreditamos e professamos que Deus deu a conhecer a Sua verdade às pessoas ao longo da História da Salvação, que continua também em nosso tempo e ao longo do nosso tempo, e que somos responsáveis por discernir e reconhecer a Sua verdade tal como nos foi revelada, em Sua contínua revelação de Si próprio a nós. Não podemos e não nos eximimos desta responsabilidade, como fez Pôncio Pilatos, quando perguntou: “Que é a verdade? (Quid est veritas?)” (João 18,38) e afastou-se da Verdade encarnada, Nosso Senhor Jesus Cristo, Que o olhava cara-a-cara. Com essa pergunta não respondida, Pilatos permitiu-se lavar as suas mãos de qualquer responsabilidade pela crucificação. Pilatos sentiu-se justificado na sua inação, na sua aceitação passiva de tudo o que se passou depois disso, porque afinal, “Que é a verdade?”.
Hoje ouço muitos de nós dizermos algo semelhante, quando se trata da guerra na Ucrânia. Nós dispensamo-nos, ou lavamos nossas mãos, de discernir a verdade no que se está desenrolando perante nossos olhos na guerra mais bem documentada de sempre, na Era dos iPhones e das mensagens de texto constantes. Podemos, se quisermos, abrir nossos olhos a toda esta informação que nos chega da região devastada pela guerra, mas não o fazemos, porque nos tornamos uma espécie de “novos-agnósticos”, tendo lido um ou dois relatos de que as atrocidades de guerra na Ucrânia são apenas “fake news”. Assim, sentamo-nos e dizemos que a verdade de tudo isto é incognoscível e/ou “apenas política”, e assim deixamos que os políticos a pelejem. Tenho talvez mais informações, aqui na Europa Oriental, onde estamos inundados de refugiados ucranianos, que contam todos histórias semelhantes de crimes de guerra cometidos pelos invasores russos. Eu, como russa, não estou pré-disposta a acreditar nestes relatos, mas não os posso negar, estes relatos de testemunhas oculares, pois estou inundada pela sua confluência. A verdade da questão está encarando-me, tal como um certo ocidental, um governador romano, que estava cara-a-cara com Aquele manietado para a crucifixão. Devo dizer: “Que é a verdade?” e afastar-me, e lavar as minhas mãos de tudo isto, como fez Pilatos? Eu poderia, meus amigos, mas como cristã não aspiro desempenhar o papel de um Pôncio Pilatos agnóstico. Não desempenhemos esse papel, nenhum de nós, porque não somos agnósticos, mas sim cristãos responsáveis, o que significa que somos “capazes de responder” ao desafio com que somos confrontados por este mal que se desenrola diante dos nossos próprios olhos. Podemos e devemos responder a ele e contra ele, de qualquer forma grande ou pequena, em vez de fingirmos ignorância.
Versão brasileira: João Antunes
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