NOMES COMO SÍMBOLOS NA GUERRA NA UCRÂNIA

Vários nomes figuram em destaque ao longo desta guerra horrível; nomes que sinalizam ou “simbolizam” certos significados dentro da tradição cristã. Esses nomes são “Mariupol” e “Volodymyr” ou “Vladimir”. (Menciono aqui entre parênteses também “Bucha”, que significa “barulho, alarme, grito alto”.) Embora se possa descartar esses nomes como mera coincidência ou acidentais com relação ao evento histórico que é esta guerra, os símbolos são importantes para uma percepção tradicional e bíblica dos eventos históricos. Por exemplo, tradicionalmente o nome “Belém”, que significa “casa do pão”, tem sido considerado confirmativo para nossa compreensão do significado dos eventos que aconteceram lá. Então, aqui estão alguns pensamentos sobre como os nomes acima mencionados que acompanham a guerra na Ucrânia podem confirmar nossa compreensão do que isso significa:

1. MARIUPOL: O nome da cidade ucraniana que está sob o mais feroz ataque das forças russas há semanas, “Mariupol”, significa “Cidade de Maria”. O nome da cidade vem do grego “Μαριούπολη”, que era o nome de um assentamento grego na Crimeia, batizado em homenagem ao ícone Hodegétria da Theotokos [em grego: Οδηγήτρια, que significa literalmente “Ela que mostra o caminho (ou seja, Jesus)”]. A cidade ucraniana moderna foi assim chamada devido ao grande número de gregos Ortodoxos (Pônticos) que foram transferidos à força para esta região na costa norte do Mar de Azov daquele assentamento na Crimeia em 1780 pelas autoridades russas. No último mês, ouvimos continuamente as terríveis notícias sobre a crescente crise humanitária em Mariupol, onde mais de 90% dos edifícios foram destruídos e na qual dezenas de milhares de civis de língua russa, muitos dos quais, a propósito, também são Ortodoxos russos ou ucranianos (a Mariupol pré-guerra tinha 11 igrejas do Patriarcado de Moscou e 3 igrejas da Igreja Ortodoxa Ucraniana), permanecem sitiados sem água corrente, sem aquecimento, sem eletricidade ou conexão à internet.

Enquanto A Cidade de Maria continua a levar e recolher em si a mais feroz agressão das forças de Putin, podemos ser recordados que a Mãe de Deus, como um símbolo tradicional da Mãe Igreja, também “recolhe em si” e co-carrega os pecados do mundo, em suas intercessões infalíveis por todos nós; assim como ela “recolheu em si” ou co-carregou os pecados de Santa Maria do Egito, que a Igreja Ortodoxa celebrará neste próximo domingo. Acho que somos recordados deste mistério, do que a Mãe de Deus significa para todos nós, e o que a Mãe Igreja significa para todos nós, pelo “sinal” que é o trágico cerco de Mariupol, A Cidade de Maria. É um sinal importante, em um momento em que muitos de nós podem ser desencorajados pelo comportamento de nossos líderes eclesiásticos. Mesmo que possamos ser desencorajados por suas ações, somos encorajados por este poderoso símbolo da Cidade de Maria, da Mãe Igreja, suportando e recolhendo em si todas as trevas da humanidade assassina. Ao vermos Mariupol enterrada sob as ruínas de prédios de apartamentos, hospitais e escolas bombardeados, também podemos nos encorajar pelo fato de que a Theotokos venceu a morte em seu próprio repouso, porque “o túmulo e a morte não subjugaram a Mãe de Deus”, como cantamos no Kondákion da festa de sua Dormição. Nem a nossa Mãe Igreja, nem A Cidade de Maria, serão subjugadas pelo túmulo e pela morte a que foram reduzidas.

Pode-se notar também o “sinal” que foi amplamente expresso pelo Papa Francisco, quando ele decidiu publicamente “consagrar” ao “Imaculado Coração de Maria” em 25 de março (festa da Anunciação) os povos da Rússia e da Ucrânia, trazendo o nome de Maria à atenção do público em geral, — independentemente do fato de que a expressão e a teologia desse “sinal” não estavam em sincronia com a teologia Ortodoxa. Eu tinha sentimentos mistos sobre isso, como expliquei detalhadamente em um podcast há duas semanas. Independentemente disso, o importante é que o Papa teve o instinto saudável de chamar a atenção do público internacional para o nome de Maria, a Mãe de Deus, no contexto desta guerra, como nenhum líder da Igreja Ortodoxa poderia, porque nenhum líder Ortodoxo tem o tipo de plataforma internacional que o Papa de Roma tem. Assim, tudo isso de “consagrar” a Rússia e a Ucrânia ao “Imaculado Coração de Maria” na Anunciação tornou-se mais um “sinal”, ou pelo menos um lembrete, da presença e co-sofrimento da Mãe de Deus em toda a tragédia que agora está sendo suportada por nossa Mãe Igreja e por nosso mundo. E como nós que estamos no Calendário Juliano Tradicional celebramos a Anunciação (ou “Boa Nova”, Благо-вещение) hoje, em 7 de abril, somos novamente recordados da presença perene e do co-sofrimento de nossa Mãe Igreja em nosso mundo, não obstante o que qualquer líder eclesial possa estar fazendo ou dizendo.

2. VLADIMIR / VOLODYMYR: O nome de ambos os presidentes envolvidos nesta guerra é Vladimir (Putin) ou Volodymyr (Zelenskiy). Independentemente da filiação religiosa desses dois presidentes, ou da falta dela, aos cristãos Ortodoxos o nome Vladimir nos recorda o, ou é um “símbolo” do, santo padroeiro de todos os Vladimirs, o Santo Igual-aos-Apóstolos Grande Príncipe Vladimir. E ele é saudado em nossa hinografia litúrgica como o “идолы поправший”, ou “esmagador de ídolos”. Ele derrubou e esmagou os ídolos pagãos que antes eram adorados por seu povo, quando batizou a Rus’ em 988 d.C. Quando pensamos em “esmagar ídolos” (diferente de erigi-los), em conexão com esse nome, não podemos deixar de nos perguntar como cada um dos dois presidentes chamados Vladimir se saiu nessa matéria.

Eu, pelo menos, vejo Vladimir Putin como alguém que erigiu e manteve ídolos. Houve um breve período após o colapso da União Soviética (na era Yeltsin), quando a Rússia começou a fazer algumas buscas profundas e a derrubada de ídolos, quando muitos documentos dos horrores do regime soviético foram publicados na recém-livre imprensa, incluindo aqueles que expuseram os verdadeiros horrores da “grande vitória” na Segunda Guerra Mundial, e aqueles que expuseram a extensão da colaboração do Patriarcado de Moscou com as autoridades soviéticas. Mas quando Putin chegou ao poder, esse processo foi revertido. Muitos desses documentos foram tornados secretos novamente e inacessíveis aos pesquisadores, e símbolos da era soviética retornaram, como a bandeira vermelha com a foice e o martelo. A comemoração anual da “grande vitória” na Segunda Guerra Mundial em 9 de maio deixou de ser um dia de recordação sombria e de homenagem aos veteranos e milhões de mortos e passou a ser uma glorificação do poder militar da Rússia. Sob Putin, um enorme templo também foi erguido ao poder militar (veja a Catedral Principal das Forças Armadas, cuja iconografia apresenta o próprio Putin). E devemos notar que Putin manteve o cadáver de Lenin na Praça Vermelha, recusando-se a derrubar esse ídolo. Ele também introduziu, sem motivo claro, símbolos assustadores e contraditórios como o “Z” nesta guerra, que (como qualquer ídolo pagão) exige sacrifícios que as pessoas não deveriam fazer. Porque, por favor, note que o “Z” não tem um significado que já tenha sido claramente definido pelo governo de Putin, embora adorne tanques russos e tudo mais relacionado a esta guerra.

O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelenskiy, por outro lado, continuou com seu povo a separar a Ucrânia de seu passado soviético e de seus ídolos, procurando promover as liberdades democráticas e ouvindo a(s) voz(es) da sociedade civil. Ele, Zelenskiy, se humilha ao permanecer no meio de uma zona de guerra em Kyiv, despojado de qualquer pompa ou circunstância em sua camiseta verde, enquanto Putin se distancia até de seus ministros mais proeminentes, incluindo o Ministro da Defesa, por uma mesa comprida e elegante, longe da guerra e em uma sala chique. Poder-se-ia dizer mais sobre os ídolos e a auto-idolatria de Putin, mas esta imagem sozinha fala mais que mil palavras, nenhuma das quais fala de ídolos esmagados. Santo Igual aos Apóstolos Grande Príncipe Vladimir, Esmagador de Ídolos, rogai a Deus por nós!

Versão brasileira: João Antunes

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