“Os sumos sacerdotes e os fariseus convocaram então o Conselho e diziam: ‘Que havemos nós de fazer, dado que este homem realiza muitos sinais miraculosos? Se o deixarmos assim, todos irão crer nele e virão os romanos e destruirão o nosso Lugar santo e a nossa nação (ἡμῶν καὶ τὸν τόπον καὶ τὸ ἔθνος)’. Mas um deles, Caifás, que era Sumo Sacerdote naquele ano, disse-lhes: ‘Vós não entendeis nada, nem vos dais conta de que vos convém (συμφέρει ὑμῖν) que morra um só homem pelo povo, e não pereça a nação inteira’. Ora ele não disse isto por si mesmo; mas, como era Sumo Sacerdote naquele ano, profetizou que Jesus devia morrer pela nação. E não só pela nação, mas também para congregar na unidade os filhos de Deus que estavam dispersos. Assim, a partir desse dia, resolveram dar-lhe a morte.”
Por que é que os líderes religiosos na época de Cristo vieram justificar a sua morte? Por causa do medo. Temiam que duas coisas acontecessem “se O deixassem assim”, como disseram, — se O deixassem estar, sem nada fazerem. Temiam que “viessem os romanos e destruíssem” duas coisas: tanto “o nosso Lugar” como “a nossa nação”. Assim, os seus receios baseavam-se na ameaça que percebiam do Ocidente, dos “romanos”, para: (1) o seu próprio interesse ou “o nosso Lugar”; e (2) os interesses da sua “nação”. Esta última preocupação pode ser chamada de nacionalista, mas note-se que esta era a sua segunda preocupação, enquanto que a primeira era o interesse próprio.
Caifás, o Sumo Sacerdote, fornece a justificativa para matar; para matar um Homem inocente, explicando como é que ao fazê-lo, se neutralizará ambas as ameaças acima mencionadas e percebidas. Ele diz que, se Cristo, “um só homem”, morresse, seria, antes de mais, “conveniente” para “vós” (ou para “nós”, como alguns manuscritos do Novo Testamento trazem, o que faz sentido porque Caifás é um “deles”). Assim, seria no seu próprio interesse, mas ele também explica que seria “pelo povo, e não perecesse a nação inteira”.
Em nosso tempo, quando o Sumo Sacerdote da nossa amada Igreja Ortodoxa Russa, o Patriarca Cirilo, justifica o assassínio não só de “um homem”, mas de muitos homens, mulheres e crianças inocentes na Ucrânia, ele faz eco da lógica de Caifás. O nosso Patriarca Cirilo defende tanto “o nosso Lugar” como “a nossa nação” da ameaça percebida do Ocidente, como dos “romanos” na época de Caifás. Ele reconhece que não é “conveniente” para ele e o seu “conselho” deixar a Ucrânia “assim”; seguindo a sua própria vocação à medida que evoluiu ao longo da história, e ser independente do controle da Rússia, tanto em termos políticos como eclesiásticos. Em primeiro lugar, não é “conveniente” para o seu próprio lugar, nem é, em segundo lugar, para a “nação” sujeita a ele e aos que com ele estão no poder. O Patriarca Cirilo apoia assim a “operação especial” que é a agressão militar russa contra a Ucrânia, que tem custado dezenas de milhares de vidas, incluindo 1.793 civis e 167 crianças até 9 de abril, (não incluindo as ainda não contadas em Mariupol e vários outros lugares). Também tem custado a 4,5 milhões de ucranianos os seus lares e meios de subsistência, uma vez que foram forçados a fugir da Ucrânia e se encontram “dispersos”.
Mas há luz neste quadro tenebroso, para todos aqueles que estão “dispersos” por esta guerra. Podemos ver esta luz no “giro” que São João Evangelista dá nas palavras e lógica de Caifás, quando São João diz que a morte de Jesus, do Homem Inocente, “congregará na unidade os filhos de Deus que estavam dispersos”. Mesmo enquanto o próprio Caifás falava por interesse próprio, meramente humano e nacionalista, (tal como o Patriarca Cirilo, por todas as indicações), São João diz que o Sumo Sacerdote deu realmente voz ao plano de Deus. E o plano de Deus era dar a volta a esta tragédia, para o bem de todos nós. Porque é isso que o nosso Deus vencedor da morte faz; Ele transforma as nossas trevas, morte e divisão em luz, vida e união. Pois “sabemos que tudo contribui para o bem”, como diz São Paulo em Romanos 8,28, “daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados, de acordo com o seu desígnio”.
No caso da morte do Seu Filho Unigênito, nas palavras de São João “Jesus devia morrer pela nação. E não só pela nação, mas também para congregar na unidade os filhos de Deus que estavam dispersos”. Aqueles que estavam “dispersos” e “congregados” pela morte de Jesus no tempo de São João eram tanto os judeus como os gentios que acreditavam no Evangelho de Jesus Cristo, o qual não estava em sincronia com a mensagem das autoridades religiosas em Jerusalém naquela época. E em nosso tempo, no caso da morte de civis inocentes na Ucrânia, podemos ver que eles estão morrendo “não só pela nação, mas também para congregar na unidade os filhos de Deus que estavam dispersos”. Porque estamos todos congregados, independentemente da mensagem apresentada por algumas das nossas autoridades religiosas, através deste sacrifício do inocente povo ucraniano. O povo ucraniano foi congregado, como nunca antes, através da morte a que os seus inocentes foram submetidos. E nós, no “Ocidente” e noutras partes do mundo, também nos congregamos a eles e uns aos outros como nunca antes, uma vez que os apoiamos e os ajudamos a combater aqueles que conspiraram para os matar. Por quê? Porque as trevas que enfrentam não ameaçam apenas aquela nação, mas qualquer “nação” que tenha sido legitimamente estabelecida como tal, de acordo com a sua vocação, segundo a forma como Deus a conduziu através das suas vicissitudes históricas.
Neste momento de divisão, à medida que nos aproximamos da Festa das Festas que é a Pascha, quando alguns dos nossos líderes religiosos podem estar a dividir-nos, abracemos novamente Aquele que nos congrega pela Sua morte e ressurreição, e foquemo-nos novamente n’Ele. Ele congrega-nos, não como qualquer “nação”, mas como todos os filhos de Deus que estão “dispersos” e, no entanto, formam uma única, em Sua verdade e luz.
Versão brasileira: João Antunes
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