DORMIÇÃO & RECORDAÇÃO DA MORTE

Em tua maternidade, conservaste a virgindade,
e em tua morte não abandonaste o mundo, ó Mãe de Deus.
Passaste para a vida, tu que és a Mãe da Vida,
e que, por tuas orações, livras da morte as nossas almas.
(Tropário da Dormição)

Enquanto aqueles de nós no Calendário Juliano Tradicional celebramos a pós-festa da Dormição da Theotokos, estou a pensar na morte. Mais especificamente, estou a pensar na morte tal como aconteceu no fim da vida terrena da Mãe de Deus. Em nosso tempo, muitos de nós podem ter tendência a pensar na morte, (se alguma vez pensarmos na morte), de uma forma mórbida ou desalentadora, especialmente se estivermos deprimidos. Podemos estar deprimidos por todas as mortes sem sentido nas guerras e outros crimes e injustiças que vemos no nosso mundo. Ou podemos apenas sentir-nos em geral deprimidos, pelos aspectos desgastantes das nossas próprias jornadas carregando a cruz nesta vida. Mas muitas festas litúrgicas alegres, como a Dormição, como a Pascha, e como todas as festas dos santos mártires e outros santos, que celebram o dia do seu repouso, e não o seu aniversário, estão lá para nós para “treinar” e corrigir a nossa visão da morte, ano após ano, uma vez que estas festas são celebradas anualmente, para que percebamos que a morte não é a pior coisa que pode acontecer a um cristão, nem uma coisa mórbida ou depressiva de todo. É uma transição para a vida, ou passagem para a vida. Mas não é fácil, mesmo sendo simples, aceitar esta renúncia cristã à morte. Por isso, temos este ciclo de festas litúrgicas, que somos chamados a repetir ano após ano, como no filme “Feitiço do Tempo”, em que um cara tem de repetir o mesmo dia uma e outra vez, até que ele faça a coisa certa.

Mas falemos da festa em questão, a Dormição da Mãe de Deus. A sua morte e vida são tradicionalmente tidas como exemplo da morte e vida de cada membro da Igreja, porque ela é tradicionalmente vista como exemplo da Mãe-Igreja. É por isso que a primeira grande festa do nosso Calendário Litúrgico Bizantino, que se inicia em setembro, é a festa do nascimento ou da Natividade da Theotokos (a 8/21 de setembro), e a última grande festa do nosso Calendário Litúrgico Bizantino, que se encerra em agosto, é a festa da sua Dormição (a 15/28 de agosto). Em outras palavras, o seu tempo de vida reflete-se no Calendário Litúrgico, através do qual somos chamados a percorrer as nossas próprias vidas, ano após ano, tornando-a nossa, desde o seu início em setembro até ao seu fim em agosto.

Pouco depois da sua morte, ela “passou para a vida” não de uma forma diferente do resto de nós na Igreja, mas de uma forma que foi mais rápida do que a do restante de nós. O que quero eu dizer com isso? Ela morreu, tal como nós, mas depois experimentou a ressurreição física mais cedo do que o resto de nós: Pouco depois da sua morte, ela foi levada para o céu em seu corpo físico. O restante de nós aguardará a ressurreição física comum após as nossas mortes físicas, no final dos tempos. Mas ela recebe este dom da ressurreição física à nossa frente, tal como experimentou a descida do Espírito Santo (ou Pentecostes) antes de todos os outros, quando o Espírito Santo “veio” sobre ela e “estendeu sua sombra sobre ela” (Lucas 1,35). Ela exemplifica e manifesta para nós, em sua vocação única, a plenitude dos dons que Deus tem reservados para nós, e que nos serão concedidas no final dos tempos.

Ao celebrarmos a Dormição da Mãe da Vida, deixemo-la “livrar da morte as nossas almas”, se ou quando estivermos deprimidos ou tolhidos pelo tipo errado de “recordação da morte”. Não é fácil, mas é simples, aceitar o fato de que toda a nossa morte nos leva a uma nova vida n’Ele, como poderíamos sentir na tristeza criadora de alegria desta bela festa da Dormição da Theotokos. “Pelas intercessões da Theotokos, ó Salvador, salva-nos!”

Versão brasileira: João Antunes

© 2022, Ir. Vassa Larin
www.coffeewithsistervassa.com