“Dentre a multidão, alguém lhe disse: ‘Mestre, diz a meu irmão que reparta a herança comigo’. Ele respondeu-lhe: ‘Homem (Ἅνθρωπε), quem me nomeou juiz ou encarregado (μεριστὴν) das vossas partilhas?’ E prosseguiu: ‘Olhai, guardai-vos de toda a ganância (ἀπὸ πάσης πλεονεξίας), porque, mesmo que um homem viva na abundância, a sua vida (ἡ ζωὴ αὐτοῦ) não depende dos seus bens’.” (Lucas 12,13ss)
Nossos “bens” ou aquilo que adquirimos como resultado de nossa posição e/ou trabalho neste mundo — seja dinheiro ou uma determinada posição social ou profissional — podem, às vezes, criar uma barreira entre nós e as pessoas mais próximas. Isso também pode nos desestruturar pessoalmente, dentro de nós mesmos, levando-nos a fazer ou dizer coisas pouco dignas. Mas o Senhor nos recorda, nessa passagem, que nossa verdadeira “vida” (“zoe”, diferente de “bios”, nossa existência biológica) não consiste na abundância de nossos “bens” ou conquistas, em nosso mundo como um todo. É no relacionamento com as pessoas mais próximas a nós, a quem amamos e por quem somos amados, independentemente de nossos “bens”, que consiste nossa verdadeira vida, mesmo que nem sempre “gostemos” uns dos outros e tenhamos a tendência de discutir, como às vezes acontece com os membros da família. Portanto, o Senhor Se nega a ser um “juiz” entre nós, em relacionamentos que temos a responsabilidade de “mediar” por meio do “encarregado das nossas partilhas” que já nos foi dado por Deus, que é o amor. É o amor que deve “nos guardar de toda a ganância”, que pode nos levar a perder tanto o amor-próprio saudável quanto a capacidade de amar os outros.
Sei que isso nem sempre é simples, especialmente quando o amor foi rompido, como em divórcios complicados; quando amamos e não somos amados da mesma forma; quando temos responsabilidade financeira não apenas em relação a nós mesmos, etc. Mas penso que o mesmo princípio permanece, à medida que progredimos com responsabilidade, de que não devemos perder o foco na verdadeira vida, que nos torna quem somos e “não depende da abundância de bens”. Nesse contexto, sinto-me inspirado por Santa Helena, celebrada hoje (Calendário Juliano Revisado) juntamente com seu filho único, Constantino. (Na foto, uma estátua dela nos Museus Capitolinos, em Roma.) O amor de sua vida e o pai de Constantino, Constâncio, divorciou-se dela quando Constâncio foi nomeado César, para se casar com a filha de Maximiano, uma mulher mais apropriada para seu status em ascensão (já que Helena vinha de classes mais baixas). Helena e seu filho pequeno, Constantino, foram deixados para trás e ela nunca mais se casou, e permaneceu próxima de seu filho único, que também tinha um profundo afeto por ela.
Que eu defina minhas prioridades hoje, quando tiver um conflito com as pessoas mais próximas, em questões que ameacem meus bens. Se eu tiver perdido o foco, que eu procure fazer uma pausa e recuar um pouco, para que eu possa manter algo muito mais vivificante e sustentador do que meus “bens”, que é o amor que não adquiri, mas que me foi dado. Talvez eu precise praticar o “ser correto”, em vez de “estar certo”, para que eu possa manter a “vida” que já tenho, na realidade irracional do amor. E Santa Helena, Igual-aos-Apóstolos, roga a Deus por nós hoje!
Versão brasileira: João Antunes
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