COMO A THEOTOKOS NOS “SALVA”

Vencidas foram as leis da terra (Νενίκηνται τῆς φύσεως οἱ ὅροι / Побеждаются естества уставы) em ti, ó Puríssima Virgem, depois de dar à luz permaneceste Virgem, à morte uniste a vida: permanecendo desde o nascimento Virgem e depois da morte viva, ó Mãe de Deus, salvas sempre a tua herança” (Cânon da Dormição, Hino 9)

Na véspera da grande festa (ou jejum, se estivermos seguindo o Calendário Juliano Tradicional) da Dormição da Theotokos, estou refletindo sobre como o hino citado acima nos ajuda a compreender melhor suas palavras finais: “ó Mãe de Deus, salvas sempre a tua herança (ou seja, todos nós)”.

Primeiramente, devemos observar que não confundimos a Theotokos com nosso único Salvador. O que estamos fazendo, quando afirmamos que a Theotokos nos “salva”, é professar o papel imprescindível que ela desempenhou, como Theo-tokos, na encarnação d’Ele, sem a qual não teríamos salvação.

O que é “salvação”? Salvação significa “um retorno à plenitude” de uma ruptura ou separação anterior dessa plenitude por meio de todas as contradições de nosso ser. A salvação é realizada pela parte “Theo(s)” de “Theo-tokos”, por Deus, mas não sem a parte dela, a parte “tokos” ou “portadora”. Nosso Senhor encarnado integra e supera nossas contradições, como vida e morte, nascimento e virgindade, fecundidade e esterilidade, vitória e derrota, divindade e humanidade, céu e terra, espírito e corpo, tornando-se um de nós, na carne, por meio de um de nós — a Theotokos. A Mãe de Deus exemplifica, por excelência, toda a Mãe-Igreja que participa dessa integração das contradições, desse retorno à plenitude que é a “salvação”, em comunhão com Cristo. O hino citado acima celebra a superação salvífica ou a integração das contradições em e por meio de nossa “Theo-tokos”. Ou seja, por meio da sinergia de Deus e do ser humano que se manifesta em sua vocação única, que continua a nos “salvar” diariamente.

É por isso que dizemos: “Santíssima Mãe de Deus, salva-nos!” — e não “Maria, salva-nos!” —, porque estamos professando nossa fé na parte vital e imprescindível de nossa salvação que é a encarnação. E é por isso que tradicionalmente não retratamos a Theotokos sozinha nos ícones, mas sempre junto com o Senhor. Não se trata apenas dela, nem apenas de Deus. Trata-se tanto dela, um ser humano tão humano quanto todos nós, quanto de Deus, que convida todos nós a participar da sinergia que ela exemplifica. Somos todos convidados a ser “felizes” ao receber a Palavra de Deus (dentro de nós, em nosso “ventre”) e depois a “por em prática”, distribuindo-a; dando-a à luz em nosso mundo e compartilhando-a em nosso próprio contexto. Como Cristo disse à mulher que levantou a voz em meio à multidão e abençoou Sua mãe: “Felizes, antes, os que escutam a Palavra de Deus e a põem em prática” (Lucas 11,28).

Versão brasileira: João Antunes

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