“Seu pai e sua mãe estavam admirados com o que se dizia dele. Simeão abençoou-os e disse a Maria, sua mãe: ‘Este menino está aqui para queda e ressurgimento de muitos em Israel e para ser sinal de contradição; uma espada trespassará a tua alma. Assim hão-de revelar-se os pensamentos de muitos corações’.” (Lucas 2,33ss)
Hoje, 8 de dezembro, meus amigos católicos romanos celebram a “Imaculada Conceição de Maria”. Essa festa se baseia em uma doutrina oficialmente reconhecida pela Igreja Católica Romana em 1854, quando o Papa Pio IX declarou: “a Beatíssima Virgem Maria, no primeiro instante da sua conceição, por singular graça e privilégio de Deus onipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do gênero humano, foi preservada e imune de toda mancha de pecado original”.
Embora a “concepção imaculada” não seja relevante na tradição cristã ortodoxa (a questão toda é discutível, pois não temos uma doutrina clara sobre o “pecado original”), amanhã, em 9 de dezembro (um dia após a festa católico-romana), os Ortodoxos celebram uma festa chamada, de forma desconcertante, “A Concepção da Theotokos por Sant’Ana”. Nos livros litúrgicos eslavos, ela também é chamada simplesmente de “A Concepção de Sant’Ana”. É um título desconcertante, eu acho, porque a Igreja Ortodoxa certamente não ensina que apenas Ana concebeu a Theotokos, sem Joaquim. Mas há uma ênfase no papel de Santa Ana neste quadro, o que também vemos na tradição iconográfica, que mais frequentemente retrata Santa Ana segurando a Theotokos (na mesma posição que vemos nos ícones da Theotokos segurando o Cristo Menino) do que Joaquim e Ana com a Theotokos. Também gostaria de observar que isso é diferente da forma como a Concepção de São João Batista é retratada na tradição — ela nunca é chamada de “A Concepção de (ou pela) Santa Isabel”.
Penso que, tanto no Oriente quanto no Ocidente, a vocação particularmente importante da Theotokos na História da Salvação a torna excepcionalmente mistagógica. O Pe. George Florovsky observou que seu papel de transição, entre o tempo da “antiga” aliança e o tempo da “nova”, torna difícil estabelecer o tempo de seu próprio processo de salvação. Por exemplo, observa Florovsky, ela experimentou o Pentecostes já na Anunciação, quando o Espírito Santo veio sobre ela e o poder do Altíssimo a cobriu. E não sabemos se ela foi batizada no sentido convencional (ou se precisou ser). Acho que a doutrina católico-romana acima descrita sobre a Imaculada Conceição parece colocar seu momento batismal em sua própria concepção.
E, no entanto, ela é uma de nós — e não uma das mais ilustres, em todos os aspectos externos. Ela é pobre, órfã, desposada ficticiamente com um carpinteiro viúvo chamado José, porque não tinha para onde ir depois que teve de deixar o Templo. E ela não tinha conhecimento prévio da cruz de seu Filho e da sua própria, aparentemente, porque junto com José ela “estava admirada com o que se dizia dele”. Ela está sendo conduzida na difícil jornada de sua vocação, como a maioria dos seres humanos, sem saber o que virá a seguir. É por isso que Simeão a adverte: “uma espada trespassará a tua alma”, porque ela evidentemente também não sabia disso, e ele recebeu essa palavra profética para transmitir a ela, para prepará-la.
Na tradição Ortodoxa, não compartilhamos a doutrina da Igreja Católica Romana sobre a Imaculada Conceição de Maria (e não digo isso com o intuito de atacar a Igreja Católica Romana, mas apenas para sua informação), porque cremos que essa doutrina diminui a humanidade da Theotokos e, portanto, diminui a humanidade d’Aquele que nasceu de seu ventre. Na doutrina cristã Ortodoxa, seu próprio nascimento, dos Santos Joaquim e Ana, foi tão humano quanto todos os demais nascimentos. No entanto, como refleti acima, acho que o tempo de sua jornada de salvação, que uniu a Antiga e a Nova Aliança, continua sendo um mistério que resulta em algumas dúvidas tanto no Oriente quanto no Ocidente. De qualquer forma, obrigado, Santíssima Theotokos, por abençoar a todos nós, católicos romanos e ortodoxos, e o restante de nós, com sua presença plena de graça em nosso meio humano-divino.
Versão brasileira: João Antunes
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