ACOLHENDO A ESPERANÇA EM MEIO A UMA CULTURA DE «ROLAGEM DA RUÍNA»

Em teu ventre, ó Theotokos, contemplamos uma rica eira (θημωνία ἅλωνος, стог гуменный). Tu carregas a espiga do grão que cresceu sem ser semeado; teu Filho é a Palavra eterna: De maneira maravilhosa, tu O darás à luz na gruta de Belém, Ele sustentará amorosamente toda criatura com o conhecimento de Deus, libertando a raça humana da fome mortal.” (Hino de Vésperas, Pré-festa da Natividade)

Aprendi uma nova expressão ontem: “rolagem da ruína”. Significa rolar a tela entre notícias negativas no celular. Se isso se tornar um vício ou uma “fome mortal”, resultará em uma imagem paralisante em nossa mente de um mundo (e de nossa própria vida) desprovido de esperança. Essa visão não é “orto-doxa”, uma palavra que significa, entre outras coisas, “expectativa correta”.

A imagem cristã Ortodoxa do mundo e de nosso lugar nele não é de forma alguma desprovida de provações. Nossa imagem é de “uma rica eira”, à qual o ventre da Theotokos é comparado no hino acima.

O que é uma “eira” (ἅλως, гумнó)? É um piso plano e duro, onde o trigo recém-colhido era espalhado e debulhado manualmente (antes de haver maquinário), a fim de separar e “revelar” os grãos de trigo da palha e das cascas não aproveitáveis. Para ajudar nesse processo, o gado e os bois também eram puxados sobre o trigo, pisando-o repetidamente para soltar a parte comestível do grão da palha não comestível que o envolve. No simbolismo bíblico, a eira significa (um lugar de) separação e revelação; julgamento.

Quando “contemplamos” o ventre da Mãe de Deus como uma “eira”, devemos considerar que essa é uma imagem bastante brutal. Ela aponta para os aspectos difíceis de sua vocação; de se tornar, por meio de uma trajetória difícil, o “lugar” da revelação de Deus a nós. O Filho de Deus é “separado” de seu ventre, após uma difícil viagem a Belém, sentada em um jumento — não muito diferente da entrada de Nosso Senhor em Jerusalém, sentado em um jumento, pouco antes de Sua crucificação e ressurreição. No entanto, — alerta de spoiler — essa difícil jornada culminou em grande júbilo, portanto, de forma alguma pensamos nela em termos mórbidos.

Neste Jejum da Natividade ou Advento, contemplemos nossa própria jornada para “Beth-le-hem” (que significa “Casa do Pão”) como uma auto-doação. Não uma auto-doação mórbida rumo à ruína iminente, mas nossa entrega à luz e à leveza da Cruz, que nos leva a um novo tipo de progresso. Pelas orações da Theotokos, ó Salvador, que todos nós O recebamos como nosso Pão da Vida, para que nos tornemos vasos frutíferos de Sua esperança nestes dias.

Versão brasileira: João Antunes

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