Ao fazer a longa viagem de ônibus de 11 horas de Kyiv de volta a Chisinau, na Moldávia (onde agora estou aguardando meu voo de volta à Roma), esta é a principal impressão que tive do belo povo de Kyiv: você pode afirmar a vida e pode viver a vida e vida em abundância, mesmo perante a morte diária. Essa é uma lição importante para mim, pois estou acostumada a um mundo no qual sucumbimos facilmente ao desânimo, à depressão e à ansiedade, perante tribulações muito menos dramáticas do que aquelas com as quais os ucranianos têm de lidar diariamente.
A Kyiv de hoje, depois de mais de três anos de guerra em grande escala, quando em um dia “normal” as sirenes tocam várias vezes, avisando aos moradores que mísseis e/ou drones foram lançados em sua direção, é uma cidade vibrante, limpa, eficiente e até mesmo elegante, com pessoas bem vestidas e excelentes restaurantes, com igrejas cheias de fiéis fervorosos e ótimos cânticos (Deus realmente abençoou os ucranianos com um ouvido musical); onde, durante minha breve visita, vi mais de um casamento sendo celebrado e mais de um funeral de um jovem soldado. Lado a lado, as batalhas continuam contra as forças que trazem morte e por caminhos construtivos que trazem vida.
Certa noite, participei da inauguração do consultório de minha amiga como psicoterapeuta, juntamente com seus amigos que trabalham com indivíduos e instituições para superar os efeitos paralisantes de tentar trabalhar e prosperar em um país devastado pela guerra. Também conversei com pessoas das igrejas Ortodoxa e Católica, atuantes na educação religiosa e no trabalho missionário em um momento de divisão em termos políticos e religiosos.
Algumas pessoas me escreveram perguntando por que ou como me reuni com pessoas desta ou daquela jurisdição eclesiástica. Minha resposta simples é que me reuni com aqueles que me convidaram e com os quais o encontro foi possível em termos de tempo. Minha anfitriã (a amiga que é psicoterapeuta) é Greco-Católica, enquanto a academia de teologia onde dei palestras pertence à Igreja Ortodoxa na Ucrânia, e a estação de rádio onde dei uma entrevista é Católica, enquanto um professor de teologia com quem me encontrei para tomar café é um conhecido porta-voz da Igreja Ortodoxa Ucraniana. O que aprendi nesses encontros é que todas essas pessoas fiéis (de diferentes jurisdições e/ou denominações) estão vivendo e prosperando sob a mesma ameaça de bombardeios diários. Todas elas têm entes queridos enterrados em sepulturas recentes nos muitos cemitérios de Kyiv e arredores. As divisões de suas Igrejas são, por um lado, também uma ferida histórica no Corpo de Cristo, mas é o Corpo de nosso Senhor que ressuscitou, mesmo ferido (no lado, nas mãos e nos pés). E Ele de fato ressuscitou, mesmo quando Tomé pôde tocar as feridas que permaneceram e ter sua fé restaurada. Eu mesmo sinto que minha fé foi fortalecida e restaurada pelo povo ferido, mas vivo e até mesmo próspero de Kyiv.
Uma observação final sobre o fato de que meu último dia em Kyiv foi o Domingo do Paralítico (aquele que foi curado por nosso Senhor no tanque de Betesda). Por acaso, conversei com uma jovem kievana que foi minha motorista de Uber até o jardim botânico de Kyiv. Quando lhe perguntei como estava se saindo, com a guerra e tudo o mais, ela disse que havia decidido por si mesma que “lamentar-se” (нытьё) não era para ela, porque, disse ela, “se eu passar minha vida lamentando, ninguém mais viverá minha vida por mim e ela será desperdiçada. Portanto, estou bem e a vida está caminhando”. Ela tem uma filha, fiquei sabendo mais tarde durante a conversa, e perdeu seu marido há dois anos, quando ele morreu em combate. Agora, ela tem um noivo amoroso e é grata a Deus por tudo. Pensei no paralítico em Betesda e, de modo geral, em pegar o “leito” de nosso passado e caminhar. Refiro-me a seguir adiante, como faz essa jovem que me levou ao belo jardim botânico, que foi parcialmente danificado pelos bombardeios russos, mas que floresce mesmo assim.
Senhor, graças Te dou pelo povo ucraniano e por seu testemunho de afirmação da vida em Sua graça que vence a morte.
Versão brasileira: João Antunes
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