“Em ti, ó Virgem imaculada, foram vencidos os limites da natureza (τῆς φύσεως οἱ ὅροι, естества уставы); pois o parto foi virginal e a morte foi prenúncio de vida. Tu, que és Virgem após o parto e viva após a morte, salva sempre a tua herança, ó Theotokos.” (Ode IX, Cânon Bizantino da Dormição)
A Theotokos desafia nossas expectativas habituais da realidade física, razão pela qual podemos chamar sua vida de ‘paradoxal’. A palavra ‘paradoxo’ (do grego para, que significa ‘além’, e dokeo, que significa ‘esperar’) refere-se a algo que vai além das nossas expectativas; algo que não esperaríamos, como uma virgem dando à luz ou a vida surgindo da morte.
Também esperaríamos que ela, como mulher judia do primeiro século, estivesse necessariamente sujeita a algum homem, seja seu pai ou seu marido. Mas isso não foi exatamente o caso. É verdade que ela foi amparada em sua vocação por certas pessoas, (como todos nós somos), em diferentes momentos de sua vida. Houve seus pais, pelos quais ela é conduzida ao Templo, mas, na realidade, é sua vocação que os guiou a educar esta filha da forma como o fizeram, em sua velhice.
Depois, houve os sacerdotes do Templo, pelos quais ela é conduzida a ser desposada com José nos primeiros anos, mas vemos que José é guiado pela vocação dela, e não o contrário, e não porque ela fosse autoritária. Deus estava conduzindo o caminho. Finalmente, há João, o discípulo amado, a quem o Senhor crucificado diz que ela deverá “ser mãe”, uma posição que não é de submissão, mas de autoridade. Nenhum ser meramente humano ‘possuiu’ a Mãe de Deus no sentido em que as mulheres da época pertenciam a alguém, o que é algo que não esperaríamos.
Vê-se em sua jornada carregando a cruz, ao longo da qual ela é obediente à vocação que não veio dos homens, mas de Deus, que ela permanece livre em sua obediência, o que também é paradoxal, pois poderíamos pensar que liberdade e obediência não combinam. Mesmo após sua dormição, não ‘possuímos’ seu corpo para venerar como relíquia sagrada. Ele foi elevado ou ‘assunto’ (como chamam os católicos romanos) ao céu por seu Filho, porque até a morte não pôde retê-la fisicamente.
Qual é o meu ponto? Porque a Mãe de Deus é tradicionalmente vista como imagem ‘por excelência’ da Mãe-Igreja, sua vocação ‘paradoxal’ e libertadora é algo que todos compartilhamos, na medida em que somos membros da Mãe-Igreja. Nossas próprias vocações são necessariamente paradoxais e libertadoras, desde que não temamos os paradoxos e a liberdade nos quais nosso Senhor crucificado e ressuscitado nos conduz, por nossa obediência a Ele. A ligação entre batismo e liberdade é a razão pela qual o Êxodo da escravidão no Egito, através das águas do Mar Vermelho, é visto como imagem do Batismo.
Graças te dou, Mãe da Vida, Santíssima Theotokos, por ter tido coragem e obediência para seguir sua vocação. “Passaste para a vida, vós que sois a Mãe da Vida e que, por vossas orações, livrais da morte as nossas almas.”
Feliz Festa da Dormição ou Assunção, a todos que a celebram hoje!
Versão brasileira: João Antunes
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