QUANDO O SILÊNCIO É DEMONÍACO

Alguém de entre a multidão disse-lhe: ‘Mestre, trouxe-te o meu filho que tem um espírito mudo. Quando se apodera dele, atira-o ao chão, e ele põe-se a espumar, a ranger os dentes e fica rígido. Pedi aos teus discípulos que o expulsassem, mas eles não conseguiram’. Disse Jesus: ‘Ó geração incrédula, até quando estarei convosco? Até quando vos hei-de suportar? Trazei-mo cá’. E levaram-lho. Ao ver Jesus, logo o espírito sacudiu violentamente o jovem, e este, caindo por terra, começou a estrebuchar, deitando espuma pela boca. Jesus perguntou ao pai: ‘Há quanto tempo lhe sucede isto?’. Respondeu: ‘Desde a infância; e muitas vezes o tem lançado ao fogo e à água, para o matar. Mas, se podes alguma coisa, socorre-nos, tem compaixão de nós’. ‘Se podes…! Tudo é possível a quem crê’, disse-lhe Jesus. Imediatamente o pai do jovem disse em altos brados: ‘Eu creio! Ajuda a minha pouca fé!’. Vendo, Jesus, que acorria muita gente, ameaçou o espírito maligno, dizendo: ‘Espírito mudo e surdo, ordeno-te: sai do jovem e não voltes a entrar nele’. Dando um grande grito e sacudindo-o violentamente, saiu. O jovem ficou como morto, a ponto de a maioria dizer que tinha morrido. Mas, tomando-o pela mão, Jesus levantou-o, e ele pôs-se de pé. Quando Jesus entrou em casa, os discípulos perguntaram-lhe em particular: ‘Porque é que nós não pudemos expulsá-lo?’. Respondeu: ‘Esta casta de espíritos só pode ser expulsa à força de oração e jejum’.” (Marcos 9,17-29)

A passagem acima citada é lida nas nossas igrejas neste 4º Domingo da Quaresma [Calendário Juliano Tradicional], quando celebramos um grande mestre monástico, São João Clímaco. Na tradição Ortodoxa costumamos associar a virtude monástica com o “silêncio” num sentido literal, na linha de uma compreensão mal interpretada do “hesicasmo” (o ensinamento sobre o “silêncio”) ensinado por São Gregório Palamas, outro grande mestre monástico que celebramos há dois domingos.

Mas nem São João Clímaco nem São Gregório Palamas ficaram literalmente em silêncio; de fato, celebramo-los pelas palavras que nos articularam e transmitiram. E a leitura do Evangelho deste domingo recorda-nos que ser mudo, estar em silêncio, nem sempre é uma coisa boa. Pode por vezes ser demoníaco, e portanto autodestrutivo, tal como o “espírito mudo” que possuía o jovem na leitura atirando-o “ao fogo e à água, para o matar”.

A mudez autodestrutiva deste jovem faz-me recordar o silêncio em que podemos estar intimidados hoje, quando precisamos realmente de falar, quando o nosso silêncio não é benéfico mas destrutivo para nós. Faz-me recordar o silêncio em que muitas das minhas irmãs e irmãos, e mães e pais, e sacerdotes e hierarquias, na Rússia (e fora dela) estão hoje intimidados e sendo manipulados, por um regime sem Deus e pela sua propaganda, à medida que prossegue o seu curso assassino que está dilacerando um país vizinho, o seu próprio país e também a nossa Igreja. Dizem-nos, e é dito aos nossos líderes eclesiásticos, — cala-te, e mantém o teu povo e os teus filhos em silêncio. Não metam o nariz na “política”, mesmo enquanto enviamos os teus filhos para morrer neste campo de batalha que criamos. E enquanto nos faltar a fé, como ao pai do jovem na passagem do Evangelho (citada acima) que faltou a fé, que de fato os nossos filhos podem falar, se ao menos os confiarmos a Deus.

Mas digamos com ele: “Eu creio! Ajuda a minha pouca fé!”. E ouçamos a lição do nosso Senhor, neste 4º Domingo da Quaresma, de que “Esta casta de espíritos só pode ser expulsa à força de oração e jejum”. Livremo-nos da mudez demoníaca com que hoje somos mutilados nas nossas igrejas, por meio de um pouco de oração e jejum, mesmo que não sejamos heróis da oração e do jejum. Certamente que não sou, mas estou fazendo um pouco, o melhor que posso. Façamos um pouco de oração e jejum, estas semanas restantes da Quaresma, para que possamos falar um pouco mais da verdade como deveríamos, como Igreja, porque podemos, pela graça de nosso Senhor Jesus Cristo que cura e ama, que dá vida aos que estão nos túmulos.

Versão brasileira: João Antunes

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