“Este jamais sucumbirá. O justo deixará memória eterna.” (Εἰς μνημόσυνον αἰώνιον ἔσται δίκαιος, ἀπὸ ἀκοῆς πονηρᾶς οὐ φοβηθήσεται. / В память вечную будет праведник, от слуха зла не убоится.) — Salmo 111,6
Ao cantarmos ou dizermos “Memória eterna”, quando alguém da nossa igreja falece, queremos dizer que rezamos para que seja contado entre os “justos”; o tipo de pessoas que, de acordo com o versículo do Salmo acima citado, permanecem em “memória eterna”, ou inesquecíveis até mesmo na eternidade intemporal, (embora “memória” na “eternidade” seja um mistério impossível de apreender), e que “jamais sucumbirão”. Mesmo que fossem pobres e parecessem derrotados nesta vida, como São João Batista.
É por isso que o versículo do Salmo acima citado é cantado como o “Verso da Comunhão” na festa de hoje (Calendário Juliano Revisado ou Calendário Gregoriano) da Decapitação de São João Batista. Ele afirma a perspectiva da Igreja sobre a morte aparentemente indigna do Precursor e Batista do Senhor, ordenada por Herodes Antipas a mando de uma jovem mulher, que o agradou com a sua dança na festa de aniversário dele. Parece que, nesta ocasião, a embriaguez triunfou sobre a justiça; que o mal triunfou sobre o bem. Mas não. O santo e grande João, Precursor do Senhor, é estimado em “memória eterna” como a justa e destemida “voz que clama no deserto”, falando a verdade ao poder, enquanto Herodes Antipas, que agiu por medo meramente humano, permanece em nossa memória como uma nota secundária patética à história de João. A maioria de nós hoje nem sequer distingue este Herodes (Antipas ou “o Tetrarca”) do outro Herodes (“o Grande” ou o rei), — o pai de Herodes Antipas, que mandou matar os bebês em Belém.
Embora Herodes Antipas temesse perder a dignidade diante dos seus amigos, depois de ter prometido com um juramento dar à jovem o que ela pedisse, São João Batista não temeu perder a cabeça, por ter dito a Herodes que não devia viver com Herodíades, a cunhada de Herodes. Recordo que esta foi a mulher que exigiu a cabeça de João numa bandeja, literalmente, — por isso penso que as preocupações de João com Herodes nesta relação não eram apenas do tipo canônico/legalista, mas do tipo esta-mulher-pode-querer-minha-cabeça-numa-bandeja. Assim, nesta história, a justa ausência de medo de João Batista manifesta-se em forte contraste com a perversa ausência de coragem de Herodes. E no entanto, o mocinho desta história perdeu a cabeça, enquanto o vilão permaneceu vivo e no poder, neste mundo de todos os modos. Muitas pessoas na altura provavelmente pensaram que João perdeu, e Herodes ganhou. Mas a Igreja afirma, tanto nos Salmos como hoje, que “Este jamais sucumbirá. O justo deixará memória eterna”. João Batista não temeu “sucumbir” por Herodes estar enfurecido com ele, quando Herodes mandou prender João. Segundo a tradição, ele continuou a condenar Herodes pela sua relação com Herodíades, mesmo na prisão.
Como é que esta história é relevante para nós hoje em dia? A mensagem para nós hoje, de toda esta história, é que a nossa participação nos “justos” e na justiça nos liberta do medo de “sucumbir”; o medo que nos vem de todas as notícias negativas que absorvemos no nosso ciclo de notícias 24/7. Isto não significa que sejamos perfeitos, porque “não há justo algum, nem um sequer” (Romanos 3,10). Mas participamos na “retidão” e na “justiça” de Deus, quando escolhemos a Sua verdade e ficar do lado da Sua verdade, participando nela na fé, (isto é, escolhendo acreditar n’Ele, e ter comunhão com Ele e com a Comunhão dos Santos), em meio a todos os falsos ídolos deste mundo. Por “falsos ídolos” quero dizer o tipo de êxito, fama, riqueza, poder e autoridade que parecem ter a vantagem no nosso mundo, e os altos e baixos em que podemos ter tendência a concentrar-nos, se formos atraídos para o seu sistema de valores. Hoje também assistimos a uma ascensão de regimes autoritários em muitos países, que asfixiam as vozes dos que dizem a verdade e silenciam os que pensam a verdade. Nem todos podemos ser chamados a perder a cabeça nesta situação, como foi São João Batista, porque nem todos são chamados ao “martírio” (ou “testemunho”) da mesma forma. Mas não temamos “sucumbir” a este mundo, penso eu, mantendo o nosso foco na presença de Deus em nossas vidas, e guardando a “memória eterna” dos Seus justos, tanto do passado como daqueles que sofrem por levantarem hoje a sua voz. Santo e grande João, Precursor do Senhor, rogai a Deus por nós!
Versão brasileira: João Antunes
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