MÁRTIRES vs. NOSSA ANSIEDADE COTIDIANA

Há mais de três anos que faço um podcast, cinco dias por semana, sobre os santos cuja memória comemoramos diariamente em nosso/s Calendário/s Litúrgico/s. E quase todos os dias, há pelo menos um antigo “mártir” celebrado/comemorado, que destemida e alegremente abandonou a sua vida, e por vezes destemida e alegremente viu a sua família e os seus filhos a fazê-lo também, a fim de professar a verdade sobre quem eram, e isto era, cristãos. Isto faz-me refletir.

Estou refletindo sobre quão fortemente o destemor e a alegria dos mártires contrasta com o medo e a falta de alegria que parece governar tanto a nossa vida moderna, mesmo na Igreja. Muitos de nós, mesmo cristãos assíduos frequentadores da igreja, lidamos com a ansiedade e a depressão, por vezes até acordando de manhã com um sentimento de pavor. O pavor nem sempre tem uma razão bem definida, mas às vezes trata-se de certas questões nos nossos corações, como por exemplo: Será que hoje vamos “conseguir” sustentar as nossas vidas? Será que vamos ser capazes de “conseguir” sustentar as nossas vidas? Será que os nossos filhos “conseguirão” (seja o que for que “conseguir” seja nas nossas vidas)? Será que o nosso dia de trabalho (e o trabalho) vale mesmo a pena, ou é irrelevante? Seremos nós irrelevantes, no quadro maior? Porque quem se preocupa (conosco)? Não estaremos sozinhos, e iremos morrer sozinhos? Estas perguntas rondam um senso de: 1. não ter um propósito (superior); 2. não ter propósito como resultado; e 3. não ser/estar protegido, devido a essa alienação de um propósito superior e pertença a ele.

Mas aqui temos a recordação quase diária, no/s Calendário/s Litúrgico/s, de “mártires”, que foram libertos de todos estes medos humanos muito comuns. E penso que é por isso que eles figuram tão proeminentemente na memória viva da Igreja, para nos encorajar na nossa batalha humana diária, muito comum, contra o medo. São cristãos que “perderam” ou abandonaram suas próprias vidas, e muitas vezes fizeram-no com alegria e sem medo, (a alegria e o destemor são frequentemente realçados nas suas histórias), de modo a professar: 1. o seu propósito, que era seguir a sua vocação de assumir a sua cruz e seguir Cristo; 2. o seu pertencimento a Ele, mesmo quando isso era politicamente incorreto ou mesmo ilegal; e 3. a sua fé em serem/estarem protegidos de um destino (na sua mente) pior do que a morte, que era curvar-se perante os falsos deuses do seu tempo, e assim contar e perpetuar uma mentira, sobre quem eram, e a Quem Se devia a adoração. Eram pressionados, geralmente por autoridades estatais, a contar uma mentira sobre quem eram, e quem veneravam, — mas não o fariam. “Christianus sum” (“Eu sou cristão”) foi a sua resposta à pressão.

Observe que uma resposta enganosa, quero dizer, se tivessem mentido e se tivessem curvado perante um ídolo pagão, esta mentira teria encorajado outros em seu meio a alinharem-se com ela. Mas como aconteceu, muitos espectadores foram convertidos à fé em Cristo (isto é uma coisa comum que acontece no Vitae ou Vidas dos antigos mártires), quando professaram firmemente a sua fé, apesar das ameaças e torturas. Assim, o sacrifício dos “mártires” foi um serviço ou ministério a outras pessoas, e a todos nós; para nos libertar da nossa escravidão às mentiras comumente defendidas e ao medo que as sustenta. Não era um serviço a Deus, no sentido de ser um sacrifício que Deus exigia ou precisava, como uma espécie de Deus sedento de sangue. Não, Ele não exige nem quer que o nosso sofrimento seja infligido ou duradouro. E Deus perdoa, como a Igreja perdoou/absolveu, aqueles que “caíram” (os “lapsi”) que foram cristãos que faziam sacrifícios aos ídolos pagãos, porque não podiam suportar as torturas das autoridades pagãs. Mas porque Deus quer que todos os seres humanos sejam livres, Ele permite que as nossas boas e más vontades humanas se manifestem, pelo que o bem (e o mal) se manifesta em vários graus, e por vezes até ao ponto de os santos mártires perderem as suas vidas terrenas, quando estas são vistas como uma ameaça tal que são extintos pelos seus opositores.

Hoje quero agradecer aos santos mártires, aos do passado e aos dos nossos dias, que nos encorajam a não temer, pelo seu exemplo. “Eu não temo, e vós também — não temais!”, dizem-nos eles hoje. Portanto, adotemos a nossa identidade, e o nosso sentido de pertença a Cristo e ao Seu propósito, e substituamos o medo pela fé. É sobre isso que estou refletindo hoje.

Versão brasileira: João Antunes

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